A Liturgia da Palavra da Solenidade do Corpo e Sangue de
Jesus, lembra-nos que Cristo permanece conosco no Sinal da Sua Páscoa. A vida
do homem é povoada de presenças: presenças visíveis e próximas como a de uma
mãe que cuida de seu filho que brinca ou que dorme; presenças invisíveis como a
de duas pessoas que se amam, pensam uma na outra e se encontram, superando a
distância e a separação corporal e física; presenças que proporcionam paz,
satisfação e segurança; presenças tempestuosas e perturbadoras que são como uma
ameaça... No plano da vivência humana mais profunda, o homem faz a experiência
singular de uma presença maravilhosa mais real, que é a revelação e tomada de
consciência da presença criadora de Deus que nos faz existir e “em que vivemos,
nos movermos e somos” (At 17,28). D’Ele fazemos memória litúrgica e sacramental
que, através dos sinais do pão e do vinho, comidos e partilhados pela
comunidade, torna presente o Cristo na sua realidade e no mistério da
Eucaristia, que é Presença Real.
A 1ª Leitura, do Livro do Deuteronômio, diz que, numa época
de grande prosperidade econômica, em que o povo de Israel corria o risco de se
esquecer de Deus e de se fechar no seu egoísmo, o autor sagrado lembra-lhe a
experiência do deserto. Durante essa longa caminhada, em que sentiu ao vivo a
sua fraqueza, os bens necessários à vida (alimento, água, libertação da
escravatura e proteção dos perigos) não foram dádivas do amor de Deus? Esquecer
agora, na abundância, esse amor paternal de Deus, seria uma ingratidão.
- “Hás de recordar todo esse caminho que o Senhor, teu Deus,
te fez percorrer, durante quarenta anos no deserto.(...) Não te esqueças, pois,
do Senhor, teu Deus” (1ª Leitura).
Mas seria também uma loucura. O homem, com efeito, não pode
viver só do pão. Satisfeita toda a fome que sente (fome de justiça, de
liberdade e de paz) ele pode sentir-se ainda infeliz. O alimento espiritual, “a
palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4), é-lhe indispensável para viver feliz
e em paz sobre a terra e poder invocar a Deus, como proclama hoje o Salmo
Responsorial:
- “Jerusalém, louva o teu Senhor”.
Na 2ª Leitura, S. Paulo diz aos Coríntios, e hoje também a
todo o povo cristão que o Pão Vivo, descido do Céu, verdadeiro maná, na
caminhada da vida, a Eucaristia realiza a nossa incorporação em Cristo morto e
ressuscitado e, por Ele, na Igreja, que é também o Corpo de Cristo. O Pão
Eucarístico é assim não apenas sinal, mas alimento de unidade entre os cristãos
e destes com Deus.
- “Não é o cálice de bênção que nós abençoamos uma comunhão
com o Sangue de Cristo? Não é o pão que nós partimos uma comunhão com o Corpo
de Cristo”? (2ª Leitura).
Comungar o Corpo e o Sangue de Cristo é, pois, comungar o
amor que Jesus tem pelo Pai e pelos homens. Cada Comunhão devia ser para nós um
compromisso de unidade. Unidade que não deve manifestar-se apenas na assembleia
litúrgica, mas deve abranger toda a vida.
O Evangelho é de S. João, diz-nos que a Eucaristia é tão
desconcertante para os homens do nosso tempo, como os sinais realizados por Jesus
o foram para os Seus contemporâneos. Contudo, aqueles que foram testemunhas da
Ressurreição, como João, autor deste Evangelho, e aqueles que hoje, têm fé em
Jesus, sabem muito bem que o Filho de Deus feito Homem, vindo para trazer a
vida ao mundo, não Se limitou a dar-nos as Suas Palavras ou o Seu exemplo.
Deu-nos também, na Eucaristia, a Sua Carne e o Seu Sangue, isto é, a Sua
Pessoa.
- “Eu sou o Pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste Pão
viverá eternamente. E o Pão que Eu hei de dar é a Minha Carne, que Eu darei
pela vida do mundo”. (Evangelho).
No plano da vivência humana profunda, o homem faz a
experiência singular de uma presença misteriosa mas real, que atinge o centro
do seu ser; uma presença que inspira um inefável sentimento de confiança e
segurança e que do seu íntimo o chama. É a revelação e a tomada de consciência
da presença criadora de Deus que nos faz existir, daquele Deus “em quem
vivemos, nos movemos e somos”(At 17,28), uma presença que “sustenta” o homem,
nutre-o”.
A presença de Deus no meio de nós assumiu, na história, a
forma visível e tangível de Jesus, imagem visível do Deus invisível, revelador
do mistério do Pai. A sua encarnação e o seu nascimento em Belém, sob o império
de César Augusto, é o ápice de uma longa série de sinais através dos quais o
Deus vivo tinha feito sentir a sua presença (Patriarcas, Reis, Profetas do
Antigo Testamento...). Depois da Ascensão, que o subtrai à experiência sensível
dos homens, a presença de Jesus muda de sinal mas não muda a realidade. Ele
continua e dá-se sob o sinal do pão partido e do vinho, nos quais oferece o seu
Corpo como alimento e o seu Sangue como bebida de salvação e de vida. Ele
permanece conosco até ao fim do mundo. Ora, podemos encontrar Jesus através da
“memória” dele, especialmente a “memória” litúrgica e sacramental, tornando-se
assim presente no meio de nós. Não se trata, porém, de uma presença
desencarnada, de uma memória que só se restringe a uma recordação. Trata-se de
uma memória que, através dos sinais do pão e do vinho, comidos e partilhados
pela comunidade, torna presente o Cristo na sua realidade e no mistério que nos
são comunicados.
Uma vez que Cristo é o centro e o cume de toda a história da
salvação, a Eucaristia – memorial da sua paixão-morte-ressurreição – é lembrança
e celebração de toda a história da salvação e das vicissitudes de Israel, “Povo
de Deus”; da vida de Cristo; da história e da vida atual da Igreja, ”novo Povo
de Deus”. Que se deve entender por “memória”?
Na memória conserva-se o passado. Todo o acontecimento
humano é transitório, único e irrepetível. Não o podemos deter nem fazer voltar
quando já passou. Nisso consiste o seu valor e também o seu limite, a sua
raridade, a sua transitoriedade, a sua beleza e a sua impotência. No entanto,
podemos reevocar o passado pela lembrança. Dele, pois, guardamos a memória. O
sacrifício eucarístico é uma forma de memória substancialmente diferente.
Aqueles que, na pobreza da fé, souberem acolher a Cristo, sob o sinal
sacramental, unir-se-ão à Sua Morte e Ressurreição, entrarão no Seu mistério,
receberão a vida e farão parte do plano da História da Salvação.
Diz o Catecismo da Igreja
Católica:
1374. – O modo da presença de Cristo sob as espécies
eucarísticas é único. Ele eleva a Eucaristia acima de todos os sacramentos e
faz dela ”como que a perfeição da vida espiritual e o fim para que tendem todos
os sacramentos” (Suma Theol.3,73,3). No Sacramento da Eucaristia estão
“contidos, verdadeira, real e substancialmente, o Corpo e o Sangue
conjuntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por
conseguinte, o Cristo total” (Conc.Trento: DS 1651). “Esta presença chama-se
real, não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem reais, mas
por antonomásia, porque é substancial, quer dizer, por ela está presente Cristo
completo, Deus e homem” (MF 39).
Fonte: Deus Único
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Ricardo Feitosa e Marta Lúcia
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