Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da
misericórdia do Senhor (SI 32,5). À própria natureza é para todo fiel uma lição
que o ensina a louvar a Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles
existe proclamam a bondade e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza
dos elementos postos a nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação
de graças.
O retorno, porém, desses dias que os mistérios da salvação
humana marcaram de modo mais especial e que precedem imediatamente a festa da
Páscoa, exige que nos preparemos com maior cuidado por meio de uma purificação
espiritual.
Na verdade, é próprio da solenidade pascal que a Igreja
inteira se alegre com o perdão dos pecados. Não é apenas nos que renascem pelo
santo batismo que ele se realiza, mas também naqueles que desde há muito são
contados entre os filhos adotivos.
É, sem dúvida, o banho da regeneração que nos torna
criaturas novas; mas todos têm necessidade de se renovar a cada dia para
evitarmos a ferrugem inerente à nossa condição mortal, e não há ninguém que não
deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição; por isso, todos sem
exceção, devemos empenhar-nos para que, no dia da redenção, pessoa alguma seja
ainda encontrada nos vícios do passado.
Por conseguinte, amados filhos, aquilo que cada cristão deve
praticar em todo tempo, deve praticá-lo agora com maior zelo e piedade, para
cumprir a prescrição, que remonta aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não
somente reduzindo os alimentos, mas sobretudo abstendo-se do pecado.
A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com
maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia,
incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis
podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que sejam os
recursos de cada um.
Se verdadeiramente amamos a Deus e ao próximo, nenhum
obstáculo impedirá nossa boa vontade. Quando os anjos cantaram: Glória a Deus
nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14), proclamavam
bem-aventurado, não só pela virtude da benevolência mas também pelo dom da paz,
todo aquele que, por amor, se compadece do sofrimento alheio.
São inúmeras as obras de misericórdia, o que permite aos
verdadeiros cristãos tomar parte na distribuição de esmolas, sejam eles ricos,
possuidores de grandes bens, ou pobres, sem muitos recursos. Apesar de nem
todos poderem ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa
vontade que manifestam.
Dos Sermões de São Leão Magno
(Papa) - Sermão 6 de Quadragésima, 1-2: PL 54,285-287 - Séc. V
Foto retirada da internet
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