Ouviremos hoje expressões e ideias já muito conhecidas,
radicadas desde séculos na memória dos cristãos (Mateus 6,24-34). O Senhor nos
convida de modo global: de fato na vida somos chamados a escolher, entre a
corrida ao dinheiro, os cuidados com o corpo, as preocupações com o bem estar,
e um estilo de vida que coloca Deus em primeiro lugar.
Escutamos ainda o Sermão da Montanha: primeiramente
proclamou as bem-aventuranças e definiu os verdadeiros cristãos “sal e luz”, depois
com a contraposição: “Ouvistes o que foi dito... Mas eu vos digo...” nos ajudou
a aprofundar a lei da caridade. E agora nos convida a escolher bem, porque
somos como que arrastados em duas direções, contidos entre o bem e o mal, a
ponto de nos advertir: “Não se pode servir a dois senhores”. É a proposta
chamada do radicalismo cristão, não em sentido político radical, mas no sentido
que vai à raiz do homem e da vida, e sobre o qual vale a pena apostar a
existência. Em outras palavras, é a escolha radical por Deus, que fazemos como
filhos seus e como irmãos entre nós. Em suma, Deus considerado por nós como
primeiro valor absoluto, única meta da vida.
Os ditos do Senhor descrevem vários tipos de preocupações
nossas. Por exemplo, nós nos agitamos um pouco demais pelo que poderemos comer
ou beber; com que vestir-nos. Talvez não tenhamos bastante, ou porque temos
muito e devemos escolher, ou estamos preocupados com o futuro, ou nos atormenta
a ideia de não conseguirmos viver bastante. E de noite, para dormir, precisamos
de tranquilizantes.
Tudo isso acontece porque não colocamos nossa confiança no
Senhor, que provê aos pássaros do céu e às flores do campo.
Refletindo sobre esses ditos do Senhor, podemos passar com
lógica da sua proposta inicial de escolher entre os dois senhores, à sua
exortação final: “Procurai primeiro o Reino de Deus”. Nesta procura do Reino de
Deus está a escolha do radicalismo cristão.
O radicalismo significa escolha radical de Deus que fazemos
como seus filhos e como irmãos entre si. Deus considerado por nós como valor
absoluto, único ponto de chegada da vida.
Como ordenar as nossas ideias a propósito? Para o cristão
Jesus diz que no grau mais alto está o
reino dos céus, está Deus.
Tantos vivem sem ele. Organizam a existência em torno de
outros valores, não elencados por Jesus.
Por exemplo, o bem estar físico, o dinheiro, o poder dos políticos, a carreira,
qualquer “hobby”, o mundo dos “deuses”, a canção, o esporte. O que dizer? A
saúde, o dinheiro, a profissão, a canção, o esporte, são todas as coisas em si
belas e boas, queridas por Deus. Que coisa pode não funcionar quanto a esses
valores? Porque na nossa escala Deus não ocupa o primeiro lugar. Quando tomam
posse de nós, tornam-se nossos senhores e nos fazem escravos. Termina por
esquecermos de Deus. E assim se imposta mal a vida. Por isso devemos aprender a
conhecê-los bem estes valores que tendem a se tornarem senhores na nossa vida,
valores em alternativa a Deus.
Em primeiro lugar o dinheiro. O evangelista Lucas fala do
deus “mamona’, o dinheiro. E é dito que se os ricos fossem generosos, em breve
tempo, não seriam mais ricos. Outro valor: o comer e beber, pode se tornar um
deus, se não o disciplinamos.
A idolatria do corpo pode trazer escravidão. São Francisco de
Assis chamava o corpo “irmão ásino”.
Depois, o fazer de tudo para acrescentar uma hora à própria
vida. Diz um provérbio francês: Todos desejam chegar à velhice, e todos a
amaldiçoam quando a atingem. O futuro é algo que cada um atingirá à velocidade
de sessenta minutos por hora, seja quem quer que seja que tente fazer. Mas os
cristãos não devem temer o futuro, porque Deus nos espera no futuro.
Deixemos, portanto, que seja Deus a ocupar-se do amanhã: Ele
pode fazer muito melhor do que nós. O papa João XXIII um dia confidenciou: “As
minhas preocupações não vão ao além da jornada. Ao amanhã, pensa a
Providência”.
Santo Agostinho: “Confia tuas preocupações a quem te criou:
porque ele se preocupou contigo antes ainda que tu existisses. Não deveria ter
cuidado de ti quem te deu a vida?”
Cardeal
Geraldo Majella Agnelo
Cardeal Arcebispo Emérito de Salvador
Fonte: CNBB
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