Introdução ao espírito da
Celebração
Notam-se em algumas pessoas sintomas de doença espiritual:
falta de esperança, como se depois desta vida nada mais houvesse a esperar,
traduzido na vida por um materialismo prático; procura de um cristianismo
light, sem mandamentos nem sacrifício, acomodado às nossas más tendências; uma
falsa esperança de que a ciência acabará por perpetuar a vida do homem sobre a
terra.
São outros tantos «redentores» atrás dos quais as pessoas
correm. Procuro na intimidade com Jesus Cristo uma amizade crescente,
reconhecendo n’Ele o meu insubstituível Salvador?
Primeira Leitura
Livro do Profeta Isaías 49,3.5-6
Deus chama o Seu servo (Israel) ainda quando está no seio
materno e nele põe as Suas complacências. Entrega-lhe uma missão salvífica
concreta: Reunir o Povo de Deus disperso e desterrado, e iluminá-lo com a sua
palavra para que, por sua vez, ele seja a luz dos povos.
Temos aqui parte do 2.º poema do Servo de Yahwéh.
Praticamente todos os manuscritos hebraicos, bem como as versões antigas,
incluindo a Vulgata, acrescentam depois de «meu servo», o aposto «Israel» (uma
possível glosa antiga a partir de Is 44,21, segundo alguns críticos). E este
servo, mesmo aparecendo assim como coletividade, não deixa de ser uma figura de
Jesus. E Jesus não só é «um Israel» enquanto encarna o Israel ideal, mas Ele é
também «o Cristo total», cabeça e membros. Ele é o novo Israel, que, à maneira
daquele antigo patriarca, dá origem ao «novo Israel de Deus» (Gal 6,16),
assente não já na descendência carnal dos 12 Patriarcas, mas no alicerce dos 12
Apóstolos do Cordeiro (cf. Apoc 21,14; Ef 2,19).
6 «Luz das nações» (cf. Is 42,6). A missão de Jesus é
universal: veio salvar e iluminar todos os homens. Ele proclama-se «a luz do
mundo» (Jo 8,12; 9,5; 12,46; cf. 1,4-5.9); Simeão reconhece n’Ele «a luz para
se revelar às nações» (Lc 2,32). Este v. 6 é citado expressamente por S. Paulo
no discurso em Antioquia da Pisídia (Act 13,47): Cristo é a luz das nações e,
com Ele, os seus discípulos, anunciadores do Evangelho são também luz do mundo
(cf. Mt 5,14).
Segunda Leitura
Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 1,1-3
S. Paulo, na saudação que dirige à Igreja de Corinto,
deseja-lhe o amor do Pai e seu efeito reconciliar, ou seja, a paz. É este o dom
precioso que está prometido a todos nós com a vinda do Salvador.
Começa-se hoje a leitura seguida da 1ª Carta aos Coríntios,
respigando trechos seletos.
1 O cabeçalho da Carta é teologicamente muito rico; seguindo
o formulário epistolar greco-romano, começa com o nome do remetente (a
superscriptio): «Paulo», credenciado como Apóstolo de Jesus por vocação divina,
e o irmão Sóstenes, seu colaborador (discute-se se era o chefe da sinagoga já
convertido: cf. Act 18,17).
2 Segue-se o destinatário (a adscriptio): «a Igreja de Deus
que está em Corinto», com cláusulas muito expressivas: uma Igreja que não é uma
simples assembleia convocada, como no mundo profano, mas é uma assembleia
religiosa (a ekklêsía de Deus), na continuidade da comunidade israelita e a sua
legítima herdeira (cf. Mt 16,18), adoptando a mesma designação dos LXX para
traduzir o nome hebraico (qahal). Ao especificar, «que está em Corinto», sugere
o seu enquadramento na única Igreja de Cristo, universal mas presente nesta
Igreja particular. Ao dizer que os seus fiéis «foram santificados em Cristo, chamados
à santidade» indica a sua pertença e consagração a Cristo em virtude da sua ação
salvadora e de um chamamento (chamados, no original kletoi, tem a mesma raiz de
ekklesía, Igreja); trata-se aqui duma santidade ontológica, que, embora não
sendo a santidade moral, é uma exigência desta, para que a pertença a Cristo
redunde numa identificação com Ele (cf. Rom 8,29) e não numa vã exterioridade.
Notar que a inclusão nos destinatários de «todos os que invocam o Nome…»
(alusão ao nome divino, aplicado a Jesus: cf. Act 4,12; 9,14.21; Gn 4,26),
sugere que a doutrina da carta é aplicável a todos os cristãos, não só de
«qualquer lugar», mas também em qualquer tempo; de facto a carta encerra a
resposta a questões muito pontuais e ocasionais, mas apela para princípios
perenes e sempre atuais.
3. «A graça e a paz…». Paulo adopta esta dupla saudação,
tirando a primeira do mundo grego e a segunda do ambiente judaico, mas
enriquecendo-as de sentido cristão: o «khairein» grego (alegria e saúde) passa
a ser «kháris» (graça, dom divino) e o «xalôm» judaico passa a ser «eirênê»
(uma paz que «vem de» – «apó» (em grego) – Deus e do Senhor Jesus).
Evangelho
Segundo João 1,29-34
Não deixa de chamar a nossa atenção o facto de que, sendo S.
Mateus o evangelista do ano A, comecemos precisamente este ano com um texto de
S. João. A Liturgia pretendeu pôr na portada do ano uma leitura de especial
significado e riqueza doutrinal; por isso propõe-nos hoje este trecho de S.
João, que é uma apresentação solene de Jesus Cristo, Aquele que nos vai falar
ao longo de todo o ano – apresentação esta particularmente autorizada –, pois
que é feita por «aquele que veio para dar testemunho da Luz» (Jo 1,8).
29 «João». No texto original não aparece o apelido de
«Baptista», pois para o evangelista João não há outro João além do Baptista,
uma vez que, por humildade, nunca se nomeia a si próprio. O Baptista, depois de
já ter deixado claro perante as autoridades judaicas que não era ele o Messias
(vv. 19-27), atesta agora, para quem o cerca, que é Jesus aquele que se espera.
«Eis o cordeiro de Deus» (cf. v. 36): é uma alusão não só ao
cordeiro pascal (Ex 12,1,28; cf. Jo 19,14.36; Apoc 5,6.12; 7,14; 1Cor 5,7; 1Pe
1,19), símbolo da redenção, mas também ao Servo Sofredor (Is 52,13 – 53, 12)
que, inocente, é levado à morte, em vez dos pecadores, para expiação dos
pecados. Note-se que a própria palavra aramaica talyá significava tanto
cordeiro como servo. Ele «tira o pecado»: o singular tem mais força, pois
engloba todos os pecados com todas as suas tremendas implicações.
31 «Eu não O conhecia». João não quer negar um conhecimento
pessoal que já procederia dos tempos da infância (cf. Lc 1,36 ss), mas insiste
(vv. 31.33) em que não O conhecia anteriormente na sua qualidade de Messias.
Aqui se deixa ver a naturalidade da vida de Jesus (e assim a dos Santos): o que
há de mais santo e divino passa despercebido. Esta passagem não contradiz Mt 3.14,
onde se diz que João não quer batizar Jesus, pois a razão que ele dá não é a de
ver n’Ele o Messias, mas a de conhecer a sua superioridade moral, a sua
inocência e intima união com Deus.
34 São os Evangelhos sinópticos que relatam com pormenor o
Baptismo de Jesus. S. João não conta a célebre teofania do Jordão, limitando-se
a dar o testemunho do Baptista após aquela manifestação divina.
Sugestões para a homilia
1. Jesus Cristo, único Salvador
Em todos os tempos, com particular incidência em nossos
dias, por causa do endeusamento do progresso, as pessoas são tentadas a
dispensar Jesus Cristo das Suas vidas, e a recusar-se a aceitá-l’O como único
Salvador do mundo.
a) Enviado do Pai. «Disse-me o Senhor: ‘Tu és o meu servo,
Israel’.» Embora estas palavras tenham sido dirigidas ao profeta Isaías, em
última análise, elas são dirigidas ao Povo de Deus.
A Igreja é o Povo de Deus da Nova Aliança, realizada no
Calvário, no Sangue do Cordeiro.
Participamos da missão profética, real e sacerdotal de
Jesus. Cada um de nós foi resgatado por Ele, para assumir também a Sua mesma
missão. A cada um de nós diz o Senhor que nos chamou desde o seio materno. Não
há pessoas a mais no mundo, ao acaso. Todas foram chamadas à vida e à Igreja
por Deus, com amor infinito.
Há pessoas que se queixam de serem mal-amadas, de viverem
sem o amparo de qualquer afecto. Não é verdade. Cada um de nós foi chamado à
vida presente por Deus, com amor infinito, para realizar uma tarefa grandiosa
no mundo.
b) Salvador do mundo. «E agora o Senhor falou-me, Ele que me
formou desde o seio materno, para fazer de mim o seu servo, a fim de Lhe
reconduzir Jacob e reunir Israel junto d’Ele.»
As pessoas sonham com uma vida sem sacrifício e tentam
sacudir dos ombros o jugo suave e o peso leve da cruz. Procuram adorar falsos
deuses, atraídos pela promessa duma felicidade que nunca chegam a gozar.
Estão de moda o prazer dos sentidos, em todas as suas
formas, a idolatria do dinheiro e da afirmação pessoal, em cargos ou bens que
ostentam com vaidade.
As pessoas caíram na ilusão de construir um paraíso na
terra, pondo de lado o amor e substituindo-o pelo ódio. Tornaram-se escravos da
máquina do Estado materialista.
Jesus Cristo, de ontem, de hoje e de sempre, vem
restituir-nos a esperança e, com ela, a alegria de viver.
c) Chama cada um de nós. «Vou fazer de ti a luz das nações,
para que a minha salvação chegue até aos confins da terra.» Como hei-de
participar nesta missão salvadora de Jesus Cristo? Fazendo a vontade do pai,
realizando a vontade de Deus a meu respeito, na vocação a que Ele me chamar.
O importante não fazer coisas importantes ou ocupar cargos
de destaque, brilhando aos olhos dos homens, mas fazer a vontade de Deus, viver
com generosidade a vocação pessoal de cada um de nós.
É vivendo com generosidade crescente a vocação a que o
Senhor nos chamou que seremos a luz do mundo.
As pessoas já não entram no templo para ouvir a Palavra de
Deus; desapareceram os sinais do sagrado no mundo do trabalho, do ensino e na
grande cidade percorrida pelos homens.
Precisam de encontrar um testemunho vivo de que Deus existe
e nos ama no amor gratuito e generoso de cada um de nós ao seu irmão.
Somos chamados a «encarnar» na vida de cada dia a imagem de
Jesus Cristo. Interpelemo-nos constantemente: como faria Ele, se estivesse aqui
e agora?
2. Acolher Jesus Cristo
A cena do Evangelho passa-se nas margens do Jordão onde João
Baptista pregava e administrava um baptismo de penitência. Este não era o
Sacramento da Nova lei, pelo qual se infunde a graça santificante, com os dons
do Espírito Santo e as virtudes teologais, e se apaga a mancha do pecado
original.
Ao recebê-lo, as pessoas proclamavam com este gesto que
acolhiam o plano de redenção do Pai.
a) Atenção aos sinais. «Naquele tempo, João Batista viu
Jesus, que vinha ao seu encontro[…].»
Como passou junto de João Batista, Jesus Cristo passa muitas
vezes ao nosso lado, para nos ajudar no caminho da santidade pessoal.
Fala-nos naquela pessoa que precisa da nossa ajuda, que nos
oferece os seus préstimos, ou mesmo nos trata com pouca ou nenhuma deferência.
Precisamos de muita atenção, vivendo na presença de Deus,
para encararmos com fé o que nos quer dizer. Ele interpela-nos a cada instante:
pedindo ajuda, falando ao nosso coração, chamando a atenção para algum aspecto
d nossa vida.
Com este espírito de fé, conseguiremos ver maravilhas onde
outras pessoas não descobrem nada mais além do quotidiano.
b) Fidelidade ao Espírito Santo. «João deu mais este
testemunho: ‘Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e repousar
sobre Ele‘».
Também recebemos o Espírito Santo, no momento do nosso
Baptismo. Como nas margens do Jordão, o Espírito Santo desceu sobre nós, os
céus – fechados para nós desde o pecado original dos nossos primeiros pais –
abriram-se e o Pai proclamou – referindo-se cada um de nós – o mesmo, embora
com a diferença entre filiação de Jesus e a nossa: «Eis o Meu ilhó muito amado.
A partir de então, tornámo-nos filhos de Deus. Foi-nos dado
o Espírito Santo para que, com toda a suavidade, nos ajude a formar em nós a
imagem viva de Jesus Cristo.
Para o conseguirmos, além de muita graça de Deus, temos
necessidade de uma atenção constante às inspirações do mesmo Espírito e de
segui-las com prontidão e delicadeza. O nosso exame de consciência de cada
noite deve incidir essencialmente nisto: fui dócil ao Espírito Santo em cada
momento do meu dia?
Sem este esforço não conseguimos ser imagens vivas de Jesus
Cristo que arraste ao Seu encontro aqueles que O perderam de vista ou nunca o
conheceram.
c) Testemunhas de Cristo. «Ora eu vi e dou testemunho e que
Ele é o Filho de Deus.»
O nosso encontro com Jesus Cristo em cada Domingo, na
Celebração da Santa Missa, deve continuar durante a semana. Saímos do templo
com a missão de dar testemunha do Seu Amor, da alegria que infunde em nós e da
felicidade para onde nos conduz, pela nossa conduta.
A alegria e acolhimento que manifestamos na família, com uma
atenção carinhosa a cada pessoa que a integra; a paciência, cordialidade e
perfeição no trabalho há-de levar as pessoas a interrogar-se: «se esta pessoa
tem os mesmos problemas de cada um de nós, qual o segredo deste seu modo de se
comportar?
Havemos de estar sempre disponíveis para «dar às pessoas a
razão da nossa esperança.»
Na vida silenciosa e Nazaré, Nossa Senhora e S. José não
fizeram coisas extraordinárias. De outro modo, estariam narradas no Evangelho,
para nossa edificação.
Foi com o ordinário de cada dia, vivendo-o de modo
extraordinário, que ajudaram os seus conterrâneos na sua caminhada para Deus.
Fonte: presbiteros.com.br
Foto retirada da internet
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