No dia 10 de maio de 1873, chegou a Molokai, no arquipélago
de Havaí, o missionário belga, Damião de Veuster. A “ilha maldita” era habitada
por 3.113 leprosos. Ao longo dos 16 anos em que lá permaneceu, o padre «fez-se
tudo para todos» (1Cor 9,22), a serviço de pessoas que, desesperadas e
revoltadas, acabavam criando, umas para as outras, um verdadeiro inferno. Certo
dia, em 1884, cinco anos antes de falecer, quando começava a colher os frutos
de sua doação, percebeu que, ele também, havia sido atingido pela enfermidade.
No domingo seguinte, ao invés de se dirigir aos fiéis como sempre fazia – um
sadio falando para doentes –, iniciou sua homilia dizendo: «Nossa pátria é o
Céu, para onde nós, os leprosos, estamos certos de ir muito em breve. Lá não
haverá feiura nem doença: seremos todos transfigurados».
Lembrei-me das palavras de Damião – elevado à honra dos
altares por Bento XVI, em 2009 – ao ser informado, no dia 6 de setembro, que
estava com câncer. Como o “Apóstolo dos leprosos”, eu também “cruzara a ponte”
e me colocara na margem oposta, aonde nunca teria gostado de chegar. “Por
ironia do destino” – para citar uma expressão que detesto – realizava-se em mim
o que escrevi em 2012, num artigo que intitulei: “Prepare-se: você vai morrer
de câncer!”. Nele, eu citava uma agência internacional de pesquisa, para dizer
que o número de casos de câncer crescerá em 75% até o ano de 2030: em 2008,
eles eram 12,7 milhões e, em 2030, serão 22,2 milhões.
Não estou revelando nenhum segredo ao dizer que a minha
santidade não é a de Damião de Molokai. Nem de Santa Teresinha que, ao se
perceber tuberculosa, exclamou: «É o Esposo que está chegando!». Nem de uma
jovem do Movimento dos Focolares que, indagada como estava, respondeu, aludindo
ao câncer que a consumia: «É o Reino de Deus que avança!». Não, eu me sinto bem
mais fraco. Quando alguém me pergunta: “Como vai?”, a tentação seria responder:
“Mais mal do que bem!”.
Mas, se assim fizesse, estaria esquecendo o que tentei
construir e me sustentou ao longo da vida. A resposta cristã deveria ser: «Pela
graça de Deus, vou bem!». Ou, como costuma dizer Frei Hans Stapel, fundador da
Fazenda da Esperança: «Melhor do que mereço!». Quantas vezes eu falei, em
minhas homilias ao povo, que, mesmo estando doentes fisicamente, podemos ser
sadios espiritualmente! Era esta, aliás, a convicção de São Paulo: «Se vivemos,
é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer
vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor» (Rm 14,8).
Mas, como todos sabem, é mais fácil falar ou escrever do que
aceitar os entraves impostos pela enfermidade. Perder planos e projetos;
perceber que o futuro fica incerto e restrito; depender da boa vontade de
outrem; passar da atividade à inércia; sentir-se um peso para quem está ao
lado; manter a paciência e a esperança... Não, não é fácil ser sadio na doença!
De outro lado, preciso reconhecer que a vida me foi sempre
generosa. Não nego: desde a infância, passei por momentos amargos e dolorosos,
que geraram carências e traumas. Mas foram mitigados pelo amor com que Deus me
acompanhou, concretizado na amizade e no apoio que uma multidão de irmãos e
irmãs me proporcionou. Penso que posso repetir o que o Papa Francisco disse de
si mesmo, após o término da Jornada Mundial da Juventude: «Como padre, fui
feliz; como bispo, fui feliz; e agora, como papa, continuo feliz!».
Quanto à morte, retomo as palavras do Papa numa entrevista
que deu no Rio de Janeiro: «Não tenho medo. Sei que ninguém morre na véspera.
Quando chegar a minha vez, o que Deus permitir, assim será!». Com isso, não
nego o meu medo diante da dor e da morte. Esta continua sendo o maior desafio
da vida, semelhante ao de uma criança que deixa o aconchego do seio materno
para entrar num mundo desconhecido. Mas, não se pode esquecer, o nascimento é a
melhor coisa que pode acontecer para a criança, a mãe e o mundo. Por tudo isso,
apesar da fragilidade que me é inata, faço minhas as palavras que São Paulo
dirigia a seus amigos: «Se continuar em vida, penso que poderei fazer ainda
algum trabalho útil. Não sei o que escolher. As duas coisas me atraem: morrer
para estar com Cristo e continuar trabalhando por vocês!» (Fl 1, 22.24).
Texto: Dom Redovino Rizzardo
/ Bispo de Dourados (MS)
Fonte: CNBB
Foto retirada da internet
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